A manhã apresentava-se com céu limpo, e um sol brilhante que
adentrava o quarto de David para lhe dar os bons dias. Era um bonito sábado do
mês de setembro. Sem grandes planos para preencher o dia, deixou-se ficar mais
algum tempo na cama. Inevitavelmente pensou, tão logo olhou para o livro
colocado sobre a pequena mesa de cabeceira, nas coisas que lhe tinham
acontecido. Fora tudo tão real. Karamin, Haran, e os ninjas, com a profecia do
ninja que devolveria o sabre ao seu avô e terminaria com a guerra silenciosa
que havia entre alguns ninjas e entre os ninjas e os humanos. Era tão difícil
entender como é que haviam tantos como ele a entenderem e a gostarem de ninjas,
da sua arte, da sua filosofia de vida, e outros tantos que por outro lado viam
o ninja como uma figura estranha, obscura e demasiado secreta para ser um ser
com boa índole.
Foi ao olhar para o relógio e depois para a janela, que
soubera bem onde iria. Tinha de saber mais sobre o sabre. Tinha de confirmar se
sonhara ou se tudo aquilo tinha realmente acontecido, e ninguém melhor que o
seu avô para explicar-lhe e contar-lhe toda aquela história.
Levantou-se, vestiu-se e desceu as escadas. A mãe esperava-o
na cozinha com pão quente que comprara e café com leite e, um bolo prestes a
sair do forno. Comeu e saiu de casa com uma fatia de bolo bem quente, enrolada
num guardanapo. Ia ao encontro do seu avô. Sabia muito bem onde é que ele
costumava estar a ler o seu jornal, durante uma parte da manhã. E como previra
la estava ele. Sentado num banco de jardim, no parque que ficava na rua por
trás da sua casa. Estava com o olhar perdido nas preenchidas páginas, e de tão
absorto que estava numa notícia qualquer, nem se dera conta da ponta do nariz
quase tocar o papel. David aproximou-se do avô e sentou-se silenciosamente ao
seu lado. Nas mãos, para além do pedaço de bolo quente que começara a
desembrulhar para partilhar com o avô que tanto apreciava os bolos que a sua
mãe fazia, trazia também o livro que encontrara no compartimento secreto da
mesa de cabeceira.
- Avô? Foi tudo o que disse, pois o sábio homem, mesmo não
tirando os olhos do jornal sorriu levemente e disse-lhe:
- Sabia que virias, David. Sabia que me procurarias. Sabia
que um dia virias procurar as respostas para todas as tuas perguntas. Vamos lá,
meu filho. Há muito para dizer… há tanto que tenho para te contar.
David, que partilhara o bolo com o seu avô, olhava-o atento,
pronto para ouvir o que ele lhe diria. Era importante… Muito importante.
- Meu filho, os anos passaram, e tu cresceste. Houveram
coisas que te ensinei, outras que os teus pais te ensinaram, e outras que
aprendeste por ti. Porém, houveram coisas que ficaram por dizer, ficaram por
ensinar, ficaram por aprender. Talvez porque acredite que na vida há um momento
certo para cada coisa. E como pudeste constatar, esse momento certo chegou. O
livro que trazes nas mãos, é a prova de que há um momento certo para cada
coisa. Esse livro é a prova de que eu tive o meu momento. Fui um ninja. E neste
momento o ninja és tu. Tens uma missão, se a quiseres, para cumprir, uma
história para viver e um sabre para recuperar, a fim de unir dois mundos. Tudo
o que viste, sentiste e soubeste, não é nem nunca será um sonho. Tudo o que
julgas ter sonhado, meu filho, aconteceu. Agora cabe-te a ti aceitar seres o
escolhido, mas sobre tudo, escolher aquilo que te faz mais feliz. Não.
Contrariamente ao que possas pensar, se não escolheres ser um ninja, eu vou
entender. Não é fácil nem é de pouca responsabilidade recuperar e possuir,
então, o sabre. Ser um ninja de verdade. Assim, se escolheres deixar a arte
ninja para trás, não te posso condenar. Eu sou um velho ninja. Já combati,
ainda que secretamente em tantas batalhas, tantas guerras, vi tantas coisas, li
tantas coisas, ouvi tanto e de tanta gente, que por vezes até eu próprio
julguei não ser capaz de suportar. Tantas! Tantas foram as vezes que julguei
partir para uma guerra e ou para uma missão, e não saber se voltaria para junto
da tua avó e da tua mãe. Temia deixá-las, e sobre tudo ser eu o causador da sua
dor. Porém, ser ninja estava-me no sangue, e mesmo ainda hoje, depois do meu
sabre me ter sido tirado e por isso eu ter delegado o meu lugar ao Haran, eu
sinto ser um ninja, de coração.
- E serás sempre um ninja, avô. E eu serei um ninja, também.
Agora era a vez do avô de David, ouvi-lo. O rapaz falou-lhe de tudo o que Haran
lhe contara na ilha dos ninjas, e o avô, que fechara o jornal em qualquer
momento durante o tempo que falava ao seu neto, ouvia.
- Avô, agora que sei quem e o que sou, e agora que sabes do
que me aconteceu, ensina-me a arte das runas, as técnicas, e eu trarei o teu
sabre. Tem de haver um fim para esta guerra entre os ninjas e entre ninjas e
humanos. Tem de terminar esta separação. Eu não sei se sei passar a serpente
incandescente, e se saberei como decifrar os desafios que me serão impostos até
chegar ao sabre. Mas, avô, eu escolhi ser eu. Como sempre, eu vou sempre
escolher ser eu. Sou um ninja, como tu.
O velho homem erguera-se do banco e fez sinal para que o
jovem o acompanhasse. Antes de se dirigirem para casa, O avô segurara num
abraço o seu jovem neto e disse-lhe: Só o coração daquele que acredita, sabe a
arte de escolher só por si o que está certo. Segue o teu coração. Ele sabe a
arte de bater pelo que está certo, empunhes tu um sabre, ou tragas em vez
disso, sonhos, vontade e amor nas palmas
das mãos.
Quando o abraço do avô enfraquecera, juntos regressaram a
casa. E às suas vidas normais.
David dividia o tempo entre a escola e os ensinamentos do
seu velho avô. Havia de saber desenhar e interpretar as runas, caracteres pertencentes
à mitologia nórdica, mas que os ninjas adicionaram ao seu próprio alfabeto a
fim de serem feitos registos e serem escritas as profecias ninjas, e devia de
ter todos os ensinamentos sobre a arte ninja. Ninguém melhor que o velho
Koroan, líder dos ninjas, para ensinar ao seu jovem neto todos os truques,
segredos, estratégias, e tudo o que sabia relativamente acerca das reações e ações tomadas em missão.
Na noite escolhida para o regresso de David por algum tempo
a ilha de Karamin, o avô subira ao quarto do rapaz a fim de lhe dar algumas
indicações e ajudá-lo a passar pela porta secreta, que o levaria até a ilha dos
ninjas, onde haran o esperava junto com todos os outros companheiros.
- David, meu jovem Ninja Kiroan, leva sempre contigo o velho
livro. Sabes que ao olhares para a página com o número nove desenhado na
diagonal e com a respetiva runa da data do teu nascimento, para voltares para
casa, é só tocares no papel e pensares no que queres com muita força – com toda
a força que há dentro do teu coração. Esse livro é a chave para transitares
entre os dois mundos. É também a chave que falta aos ninjas que se viraram
contra nós, e aos humanos que nos desacreditam, para andarem entre os dois
mundos. Nunca o percas, filho. E vai. Não te esqueças: A resposta para as
dúvidas e escolhas, está dentro de ti.
Dizendo aquilo, despediu-se mais uma vez de David que
dividia o seu olhar entre a presença do avô e da doce Lyra que parecia compreender todas as
coisas, olhando o rapaz com aqueles olhos de quem sabia que se iriam ver em
breve.
Quando abriu o livro e olhou a página com o nove na diagonal
e a runa da data do seu nascimento, David sentiu-se entrar novamente no
calidoscópio que o levaria a Karamin. Voltou a fechar os olhos, e sentia, para
além das voltas da espiral em que se encontrava, o beijo que a mãe lhe dera ao
desejar-lhe boa sorte na missão que aceitara. E ainda eram as palavras que ele
ouvia na sua mente ditas pela mãe, quando se sentiu tocar suavemente a relva
alta e cuidada, junto ao cipreste que vira e junto do qual ficara, quando, na
primeira vez ali fora parar.
- Não tenhas medo. A força que há em ti, é sempre maior que
a que podes entender. Volta tão logo possas. Esperamos-te, com o mesmo amor de
sempre. E esperariam. Os seus pais, os seus avós esperá-lo-iam. E ele? Ele
voltaria. E toda aquela separação tão ridícula de mundos terminaria. Mas por
agora, cada coisa a seu tempo. Havia um longo caminho para percorrer, e de nada
adiantava correr. Não seria por isso que depois se tornaria num agora.
(…)
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