sexta-feira, 27 de maio de 2016

A Fogo e a Tinta

 

Desenhei, por tantas vezes

sonhos, planos e rostos que

imaginei ver chegar aqui.

Deixei que me escorresse dos dedos, a

tinta com que compus palavras que

pensei usar p’ra expressar todas as coisas que fora capaz de sentir até então.

Atrevi-me a ter coragem de planar sem medo

sobre a plenitude de ser. E fui – a mesma que

todos conheceram; a mesma que

a dor e a felicidade momentâneas obrigaram a crescer

de um dia para o outro; de

um ontem para hoje que o tempo não soube abrandar.

 

Hoje ainda não sei ao certo,

se as coisas, a serem de outra forma,

fariam de mim alguém tão diferente.

É que restaram-me tantos sonhos, tantas dúvidas e,

a pergunta de quantas feridas seriam precisas

p’ra não sentir mais a dor de não saber o que fazer,

com o fogo que ainda me queima, farto e lento no peito, e

com a tinta guardada para tantas linhas que não pudera até então

 escrever.

 

Tenho agora medo que me seque a tinta com que escrevo.

Tenho ainda mais medo que se percam no tempo

todos os sonhos que trago comigo por realizar.

Tenho tanto medo que hoje já seja depois;

e então o fogo que me aquece se estinga, deixando-me ainda mais só,

do que só é a última palavra que tantas vezes

acabo por não dizer a quem,

a bem da verdade, não está para me ouvir.

 

Ah, mas não faz mal.

Ainda me resta a sisudez deste silêncio e,

o crepitar enérgico das chamas na lareira.

 

Hei de ver morrer a ultima chama e,

hei de ver nascer tanto amor – aquele amor

que será a razão e a tinta para que escreva mais um

ou mil poemas que atravessarão o tempo – o mesmo tempo que,

já sei, este fogo não gela e,

esta tinta destaca como um grito preso na garganta - um nó sufocante,

que o coração expulsa com o impulso de continuar a  bater.

 

A fogo e a tinta – um ou mil versos

que em reversos mostram tudo aquilo que sou – a criança ou a mulher

que ainda espera pelo fim de uma solidão que teima em não se acabar.

 

 

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