Tenho palavras a montes, espalhadas pela mesa à qual me sento.
Entre elas, as memórias jazem silenciosas mas presentes
destemidamente.
Procuro entre as palavras, as certas para que possa escrever,
afinal sinto tanto, falo pouco do que sinto, mas vai-se-me acabando o espaço e a força para não dizer tudo o que realmente me importa.
Já, como bem sabem, fui assentando morada pelos livros que passei,
as histórias que visitei, as lembranças que guardei e os milhares de versos, poemas, uns com rima e outros nem por isso,
que fui escrevendo vida fora.
Mas sei, agora sei, que esta desarrumação na minha mesa vive também na minha alma, se é que tenho disso,
e no meu peito.
Sei que no peito que tenho está tudo desarrumado, pois que o morador que lá tenho volta e meia queixa-se da desordem,
das palavras, dos sons, risos e choros que elas têm, do tanto que lhe dizem e do silêncio retumbante que elas fazem.
Coitado! Digo eu quando o ouço reclamar. Havia de ver a desordem de mim cá fora que se assustava.
Penso em responder-lhe, mas depois calo-me. Podia pedir-lhe que compreendesse,
pois são as minhas palavras e tudo o que elas transportam em si.
Podia, também, pedir-lhe que ele mesmo arrumasse o meu peito, mas depois lembro-me que ele sou eu, mesmo que não pareça…
São, murmuro para mim, só palavras…
umas tão breves, outras tão longas;
umas tão suaves, outras tão duras;
umas tão firmes, outras tão fracas.
Mas são tantas, e tão valiosas, as minhas confusas palavras.
Creio que por muito que as arrume, vão continuar espalhadas pela mesa: o amor mais aqui, a esperança mais ali, a imaginação acolá,
a poesia mais para cá, o sonho mais para lá
e a realidade, parece-me que caiu para baixo da cadeira,
hei de ir lá buscá-la, que me faz falta e não vá ela cruzar-se com a desilusão, que anda perdida há muito de baixo da mesa e que por displicência e desembaraço deixei que por lá ficasse até então.
Tenho de por ordem nisto, tenho de arrumar as palavras, os poemas e os pensamentos,
libertar os vestígios dos dissabores e limpar o pó das memórias,
abrir as portas e janelas do meu espaço, plantar nos jardins do meu pequeno mundo as flores das minhas certezas e arrancar as ervas venenosas do desgosto;
Sim, tenho de o fazer…
Vou abrir as gavetas das cartas antigas, das canetas inutilizáveis e dos brindes sem sentido que um dia foram amuletos dos tempos já idos.
É que, tenho de ser honesta , preciso de espaço para o que me importa, para arrumar as minhas palavras e para sentir as minhas coisas.
Já não quero coisas que de nada me servem., expectativas que não me cabem, paixões que não me estremeçam nem voos que não me façam tocar o infinito.
Afinal a vida é tão imensa, o tempo é tão escasso e as palavras… ah! as palavras… são a minha desordem e o meu aconchego, o meu silêncio no desassossego, são o meu barulho em meio à multidão e são, também, a minha bóia de salvação quando não me consigo encontrar…
Tenho, portanto, estimado leitor, uma desordem assumida nas linhas que lê.
Mas não fuja! pois de que importa se isto que lê é um poema ou uma prosa?
Se, no fim das contas, tudo o que nos importa, a mim e a si, que me lê, é sentir cada palavra perdida ou encontrada, no encontro desencontrado das batidas ritmadamente descompassadas do coração.
“Sejamos, então, em poesia ou prosa desordenadamente felizes e façamos por sê-lo.
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Ao meu lado existe o vosso lado, e aqui é o vosso espaço. Desejo imenso ler-vos !